Ricardo Farias Carvalho, é Psicólogo formado em teoria psicinalítica e suas aplicações psicoterapeuticas e com especialização em Psicologia Clínica e Psicoterapia cognitivo e comportamental. Atende na Rua Dezenove de Fevereiro, 593/301 – Fones: (53) 3232-4677 e 8437-1066/8166-6324 – E.mail: ricardof.carvalho@uol.com.br.
Recentemente, tive um acontecimento inusitado na vida. O “mundo caiu”. Minha cadela, que me acompanhava por volta de doze anos, teve de ser sacrificada. Um tumor, diagnosticado pelo veterinário, como fortemente agressivo, determinou a eutanásia. Enorme, venceu. O estado de sofrimento era visível. Embora sabendo que o procedimento implica uma morte calma, serena, sem dor, é algo extremamente desconfortável. Apontar o limite exato do “quando” ou funcionar como agente é uma tarefa árdua. Com a morte, o pátio deixou de ter a presença e encanto dos esfomeados passarinhos que dividiam a sua comida. Ausência, lacunas, vazio.
Durante as reflexões, análises, a dor se equiparava como a que ocorre em relação a qualquer indivíduo. O cérebro, confuso e apelando para os aspectos racionais, não fazia distinções. Talvez a regra básica do funcionamento do inconsciente tenha, mais uma vez, prevalecido: “tudo que é parecido é igual”. Continuei intrigado lidando com a tristeza subjacente e pertinente aos lutos. Sabia que esses têm um tempo de elaboração, portanto...
Passado um período, a decisão de conviver com uma nova fonte geradora de prazer e amor triunfou. A encomenda gerou quarenta e cinco dias de espera para o desmame. O calendário foi olhado constante e frequentemente de modo ansioso. O dia, finalmente, chegou. Um novo filhote tem sido motivo de alegria imensurável.
Notranscorrerda fase supracitada, ouvi uma matéria que achei interessantíssima e que “explicou” a afeição que muitos de nós nutrem pelos cachorros. Pesquisadores japoneses colocaram cães com os respectivos donos num quarto durante trinta minutos, onde tinham todos os comportamentos (fala, emissão de sons, toque e trocas de olhares, por exemplo) monitorados e medidos. Os resultados mostraram que, quanto maior o contato visual, aumentavam os níveis de ocitocina (hormônio ligado ao estabelecimento de vínculos emocionais) apresentados após um exame de urina em ambos. O sentimento parece recíproco. Segundo a revista Science, o amor sentido pelos humanos se deve, em grande parte, pelas trocas de olhar. Esse é o mesmo hormônio apontado como fundamental para o fortalecimento de laços entre mães e filhos. A “mirada”, olhar nos olhos é importantíssima, fundamental.
Por outro lado, numa conversa, ouvi de uma pessoa que a esposa foi se submeter a uma cirurgia numa cidade distante. Após o restabelecimento, que durou em torno de duas semanas, no retorno viu seu cão “enlouquecido”, embriagado de felicidade. Rodopiava, pulava, se comportava de maneira indescritível. Situações como essas, simplesmente me fazem lembrar e “justificam” alguém próximo que “fala” com os seus cães. Pasmem, certamente se entendem...
Psicólogos possuem uma tendência natural de buscarem as explicações ou causas dos fatos. Com a experiência, observações, somadas a leitura “científica”, fiquei tranquilo. Não obstante, sem dúvida, só sou mais um que sente e desfruta do amor imensurável desencadeado por meiodos “quase filhos”.
Determinado dia, ouvi um indivíduo “indignado” com um pequeno barulho que apareceu no carro novo que adquiriu. O painel tornou-se o depositário de inúmeros conflitos. Visitas frequentes e queixas constantes na concessionária pareciam demonstrar que o todo positivo tinha perdido o valor. A conquista foi esquecida. Sendo assim, o sofrimento visível era devido somente à parte diminuta. Outro exemplo que costumo citar é o da dinâmica aplicada por um professor na sala de aula. Esse forneceu uma folha de ofício com um ponto preto no centro. Solicitou aos alunos que escrevessem a respeito da referida folha. A imensa maioria ficou detida no dito ponto e deixou de comentar a respeito do papel e os aspectos positivos que continha.
Alguns seres humanos apresentam uma tendência a se fixar em defeitos mínimos ou imperfeições. Portanto, não valorizam suficientemente bem o restante que é altamente favorável. Destarte, padecem constante e desnecessariamente. Há, sem sombra de dúvida, uma desproporção indevida entre o “problema” observado e qualquer qualidade interessante.
Nos vínculos a dinâmica supracitada é clara e notória. Amizades ou relacionamentos que teriam um enorme potencial são desfeitos pelo simples fato do próximo apresentar algo que não corresponde à totalidade. As insatisfações são molas propulsoras para a procura eterna do “perfeito”. Como numa tela em branco, projeções desprovidas de falhas são feitas. Até certo grau, tudo anda bem. Num curto espaço de tempo, o castelo idealizado se desmancha. Novos vínculos e frustrações à vista. Nada, absolutamente nada, corresponde ao esperado. Simplesmente, não conseguem lidar com incompletudes oriundas daqueles que estão ao seu redor.
Desejos de perfeição em relação às pessoas, objetos e o mundo de uma forma geral, saem caro. Muito caro. Tristeza constante, irritabilidade, agressividade e desmotivação são alguns sintomas decorrentes apresentados. Não obstante, queixas costumeiras setornam bastante incisivas. A impossibilidade de uma flexibilidade e o reconhecimento de que o limite das críticas aceitáveis é inexistente, provoca arestas significativas para si e os demais. Conviver com alguém portador de tamanha acidez é um exercício complicadíssimo. Destarte, a paciência é um instrumento extremamente necessário.
Não raro, temos histórico de perfeccionismo na infância que implica em cobranças demasiadas e a consequente impossibilidade da elaboração das falhas, fraquezas ou limitações pertinentes a todos nós. Crenças de um dever atrelado ao irrepreensível ou completo são armadilhas internas e externas implacáveis. Com isso, viver não possui a leveza necessária ou indicada. Com a fantasia ou imaginário de que praticamente tudo é decepcionante, torna-se imperativo uma profunda reformulação nos pensamentos objetivando que os lados bons da existência possam ser visualizados e vivenciados.
Alberto Amaral Alfaro
natural de Rio Grande – RS, advogado, empresário, corretor de imóveis, radialista e blogueiro.