Gostaires Gonzalez o 'escrevinhador’. Natural de Santa Vitória do Palmar, reside em Rio Grande desde 1980. Autor de dois livros realçando as memórias dos GONZALEZ. Próprio de quem não quer deixar no esquecimento uma série de relatos que esclarecem uma nesga do tempo num lugar incomum.
Eu tinha doze anos de idade e Mara a mesma idade. Ela era mais alta, com eixo perfeito distribuindo suas curvas. Um encanto de criatura: suave quase sem cor do sol, branca com a lua, cabelos do tom da noite. A imagem dos meus sonhos, a menina mais linda, que eu gostava muito. Morava perto da minha casa e eu sempre que possível ia para frente da casa dela. Ficava na frente sentado na calçada pegando sol, aguardando exclusivamente pra ver ou conversar um pouquinho com ela.
Quando de sobreaviso, Mara comentara comigo que casaria em questão de meses. Eu sem entender muito, sabia que minha amiga era um pouco mais que criança. A idéia de casar partira de seus pais, para desafogar a casas dos inúmeros filhos, envolvidos numa pobreza desastrosa.
Mara casou e foi morar no Hermenegildo. Eu rumei por outros atalhos e por fim me fixei ao longo dos anos em Rio Grande. Trinta e tantos anos depois por meio da internet conversei com Mara. Ela me contou demoradamente particularidades da sua vida.
Entre os muros de sua casa, nem triste nem infeliz, carente dos utensílios, roupas, médicos, energia elétrica... Da falta de infância, da vida aos dentes, manejando filhos como seus pais, da pouca qualidade dos utencílios, das vestes e da falta de visão que tivera para enfrentar o tempo e da falta de luz nos olhos para enxergar as coisas a sua volta.
Mara é um retrato da falta de condição dos pais, da falta de conhecimento que se transmitia na década de setenta, lá onde morávamos
Naqueles tempos, nos criamos vestidos de corpo para servir, despido de pensamentos para agir.
Nos oitenta anos da minha mãe, minha prima fez um comentário bastante interessante, o qual passo a descrever tendo como orador a própria, Maria Olgair (Zica):
- Cresci em meio a tantos primos(as), o que tornou prático descobrir o mundo a partir das experiências das meninas mais taludinhos. Descobertas: as diferenças de criação, comportamento e hábitos tantos... Algo para se estar atento e assimilar.
Sempre que havia reunião na casa da minha tia Cecy ou Eva, lá estava algumas das minhas primas, no mínimo quatro. Obrigava-nos a interagir: nas danças de roda, ao fazer roupas de bonecas, jogo de vôlei e até mesmo no trabalho de fato.
Minhas Tias se esbaldavam, brincando juntas conosco, fazendo uma grande farra. Acabávamos todas correndo no pátio, pois elas roubavam as bonecas como se fossem grandes águias e as ameaçavam esganar: tudo de brinquedo.
Minha tia Luiza, quando presente (a Cugainha) preparava com antecedência: carrapicho pintado com tinta de fogão imitando pegador de cabelos, do estramônio lindos broches, das cascarrias de ovelhas (pingentes), que pintados com esmalte de unhas e um aramezinho, os transformava em brincos e colares. Também fazia uma série de sacanagens de sucatas, ornamentos próprios para os meninos: bolas com bexiga de boi, cintos com couro de cachorro e colete de lata.
Eu cresci chamando a tia Luiza de “Tia Cugainha”.
Ela preparava em sua casa com toda a paciência os anéis da sorte e os depositava em caixas de fósforos forradas com papéis decorativos, para quando fosse a Curral Alto presentear as sobrinhas e a mim.
Adorava minha tia, e assim recebia o melhor dos presentes: anéis coloridos.
Cugainha?
Por que ao abater as galinhas para o consumo a tia removia os anus e os secava num bastão de madeira no diâmetro de um dedo de criança.
Para mim, na época, algo de valor inestimável.
Alberto Amaral Alfaro
natural de Rio Grande – RS, advogado, empresário, corretor de imóveis, radialista e blogueiro.