Gostaires Gonzalez o 'escrevinhador’. Natural de Santa Vitória do Palmar, reside em Rio Grande desde 1980. Autor de dois livros realçando as memórias dos GONZALEZ. Próprio de quem não quer deixar no esquecimento uma série de relatos que esclarecem uma nesga do tempo num lugar incomum.
Trabalhava na Magna Engenharia durante a construção do Canal Adutor, o novo sistema de tratamento de água que abastece Rio Grande até hoje. Era técnico no setor de Engenharia (desenhista e implantando as locações em campo).
Fazia parte duma turma de elite e por isso desfrutava de privilégios: transporte exclusivo, refeitório, alojamentos e centro de convívio; isso no ano de1980. Um grande salto das empresas a favor do bem estar dos funcionários.
Chegado de Santa Vitória, minha vida começava uma nova etapa. Com um sotaque forte castelhanado, conduzindo o tu, tchê, tá, bá... Magro, ligeiro, retraído, desconfiado fui orientado a fazer amizade e interagir com o grupo, algo necessário para superar a barreira das exigências e período de experiência (três meses). Pra mim foi um obstáculo difícil a ser superado: um mergulhão no mais duro dos sentidos.
Não vacilei, integrei um clubinho que praticava esporte, curtia motos e acima de tudo dedicada ao serviço. Luis Paulo, Vanessa, Luis, Marilene, Antenor, Maira, Orlando, Neiva...
Tive atitude e isso fez de mim um sujeito muito visado por causa das minhas expressões, lourice mesclada às sardas causas que herdei duma infância sem os devidos cuidados com a pele. Isso durou alguns anos, me tornou adulto, responsável e muito entusiasmado com a carreira, na época a engenharia civil era muito solicitada e como eu sempre dominei o desenho técnico me levou ao curso, na sequência...
Em Rio Grande, morava 'solito', numa casinha nos arrabaldes. Isso me entristecia e me levava à “Terrinha” em todas as brechas de tempo.
Nas minhas dificuldades de adaptação, a mais grave foi um problema que desenvolvi num dedo do pé direito por causa do uso de sapatos o tempo integral. Como a empresa também oferecia recursos de saúde, fui à operação e sem receio não faltei serviço. Voltei para o canteiro (obra) num pé calçando sapato noutro curativo e chinelo.
Até que um dia minha amiga Marilene me pediu que fosse a noite no local onde ela morava, na Avenida Duque de Caxias, bem próximo a esquina Vitorino. Por ali existia uma pensão. Lá cheguei, bati e, Marilene me atendeu pediu para esperar um pouquinho, encostou a porta. Fiquei esperando quando a porta se abriu para minha surpresa se apresentou a Cristina. Ela chegara a Rio Grande para os cursos pré-vestibular e consequentemente o consurso. Como eu, ela não tinha ninguém para compartilhar as diferenças de ambiente, costumes das pessoas, tipo de alimentação... Foi maravilhoso o reencontro. Desde então estamos unidos.
Cristina Maria Machim, uma flor no meu caminho: a conquistei ainda menina, trilhamos o tempo e desfrutamos das mesmas alegrias e necessidades até hoje.
Num lugar próximo a reserva ecológica do Taim, onde no passado estive muitas vezes enquanto guri no período das férias escolares. Da tosquia das ovelhas em dezembro, em janeiro, o movimento com o gado. Capina de milho e outros serviços de safra.
Para as elevações das paredes do galpão, paiol e plantio de matos de eucaliptos, meus colegas e primos usufruíam do poder de ser adolescente.
Numa fazendinha bem próxima da Lagoa Mirim, a caça e a pesca eram abundantes e tudo podia. O tempo me premiou com uma série de surpresas; algumas boas, outras com algum grau de perigo. Assim fui descobrindo meu mundinho, o maior, na minha concepção. Daquele tempo que eu lembro com carinho, vou contar:
Ao voltar anos depois, das coisas que eu fizera, das coisas que eu pensei estarem no mesmo lugar, do mesmo jeito.
Enganei-me.
Não. Não, nada estão iguais. Os matos foram cortados, as casas e galpões foram desmanchados, o tempo a meu ver foi modificado.
Os meninos do meu tempo, os novos proprietários modificaram tudo, a ponto de pensar que eu não estava em juízo perfeito. Tudo é menor, mais próximo, mais alto ora mais bonito, incluindo a Lagoa Mirim, com as águas escuras e afastadas da margem.
Ninguém dali me reconheceu.
Há trinta e tantos anos antes, lembro também: eu era jovem e tudo podia.
Hoje sou um senhor para a maioria das pessoas que convivo. O tempo me dominou. Sei que todas as pessoas que tiveram uma vida longa passaram pelo meu dilema.
Vivo recapitulo cada capitulo, revisando meu passado e apontando os dias mais lindos, os mais marcantes e os trágicos, como se amanhã não haverá outro.
Alberto Amaral Alfaro
natural de Rio Grande – RS, advogado, empresário, corretor de imóveis, radialista e blogueiro.