Sempre fui um felino, observador, gardião do meu espaço. Vi a casa onde morei se encher de mobília, as ruas da cidade se estreitarem, os meninos crescerem, fui testemunha, do exageiro dos humanos na criação de máquinas barulhentas, aparelhos com leds e luzes mil, dominio do fogo e explosões apoteóticas, águas coloridas deslisantes e quentes. Mas havia algo maravilhoso, seus sofás acolchoados, ali me deliciava ao tirar uma soneca.
Tenho recordações das minhas rações, cama, jardim, das caças improvisadas que me providenciavam, das recepções acaloradas que eu provia às pessoas que eu adorava e ainda mais das pessoas que ficavam conversando comigo e muitas vezes desabafando da vida deles, do atropelo do sistema evoluído em que desfrutam, algo frenético com idas longas e regresso breve, por horas tanta prosa e as noites de eterno silêncio.
Conhecedor do sistema, entendia no cheiro as pessoas, no soar dos palavreados, no aroma das compras, ouvia o lamento, os risos, os passos ora cortante ora silenciosos pelos cantos da morada.
Eu um simples gato preto, peludo posso ter sido uma bela distração? sempre vaidoso e desconfiado, fui pego as traição no outro lado da rua, no passeio por uns cães que causaram minha passagem de estágio, rápida, algo que não é permitido falar.
Cá onde estou sinto falta das coisas que deixei? vida igual a que tive não há? Sei que choraram minha ausência ? agradeço o aconchego dos meus quinze anos na terra? Tenho vontades, pensamentos e gostaria de voltar, mas é preciso entender: tudo tem seu tempo e meu tempo depende de novas pessoas na família. "Prá" mim conquistar meu regresso, só depende da imaginação criativa e espiritualidade dos humanos.
O ano era 1981, eu era desenhista da Magna Engenharia (empresa fiscalizadora), quando a Sultepa construía o canal Adutor de Rio Grande. Ali próximo ao veaduto do trem, de quem vai para o Cassino. Trabalhavam centenas de operários: construtores, eletrecistas, canistas, soldadores, engenheiros... A obra era um labirinto, lindo de ser visto, tudo prevista em projetos: bombas, floculadores, barriletes, decantadores, dosadores...
Cada individuo dominava sua área, numa sincronia magnifica, como numa grande orquestra.
Eu não saia do meu posto: a responsabilidade era grande numa escala de milímetros. Eram muitas tarefas, entre muitos ajudantes e tinha outros desenhistas: Vanessa, Claudio, Osvaldo, Antenor,...Tudo era projetado, cada setor, cada sala, encaixe, braçadeira, mancal, colméia...
Ali também tinha gente vendendo (ambulantes) lanches, roupas, calçados, bijoterias, perfumes que diziam ser do porto.
Um dia um colega doutro setor queria me vender uma bola grande de vidro verde, que a noite ficava fosforescente.
Algo raro, uma bóia marinha de marcação trazida do Mediterraneo.
Bem, quanto menos esperava o colega apareceu na janela da minha sala com a bola, num saco e debaixo do braço. Vendo que se tratava de uma belezinha, que de fato fosforecia no escuro, embora com um preço salgado, comprei o suvinir.
Em casa foi motivo de decoração, muitas fotos, era meu encantamento.
Passados uns 15 anos, a bola se quebrara e já trabalhava noutro lugar.
Um dia de semana, estava num banco e esperava minha vêz na fila.
Mais atrás e distante, também na fila um casalzinho elegante, um ao lado do outro. Quando constatei se tratar do meu colega aquele que me vendera a bola de vidro.
Não resisti fui até eles, os cumprimentei conversamos relembrando os velhos tempos e na despedida perguntei-lhe se teria uma outra bola de vidro para me vender.
Bem, isso deu inicio a uma discução do casal.
Ela furiosa , gritava dizia a toda voz para o marido (meu amigo):
Ladrão sem vergonha, então foi tu quem robou minha bola de vidro...%$#@
Tive que deixar a fila do banco diantes do inesperado.
Alberto Amaral Alfaro
natural de Rio Grande – RS, advogado, empresário, corretor de imóveis, radialista e blogueiro.