Luiz, um empresário com a agenda lotada, sem tempo a perder com futilidades ao sair de sua casa parou, pois atrás de si algo inimaginável acontecia.
Foi amor a primeira vista! Um pintinho o seguia piando e abrindo as asinhas como se dissesse:
- Espera, espera...
Ao parar, notou que a pequena avezinha ainda com as penas avareladas em canudos, piava e subiu do seu sapato.
Luiz que nunca tivera gatos, cachorros, foi tocado de amor.
Por um instante o observou e tomou uma decisão pouco comum para si.
Pegou o “animalzinho” fazendo com a mão um ninho, voltou e o levou para casa.
Em casa causou uma grande comoção. A alegria que Luiz sentia foi contagiante. “Piu-piu” como foi chamado, apresentava uma inteligência sem precedentes, sociável parecia agradecer a acolhida.
Bem cedo despertava cantando, alertava para qualquer anormalidade com um canto harmonioso, ciscava a grama e no fim da tarde se recolhia para seu poleiro.
Piu-piu o melhor guardião, tomou toda casa para si de fato.
Piu-piu atacava os intrusos com bicadas e saltos entre esporas e laçassos de asas.
Um dia no fim, à tarde, algo mudaria tudo na casa do Luiz. Uma mulher idosa, de cabelos brancos e sobre a cabeça um lenço, com um vestido longo de cor preta, tocou a campainha.
A esposa de Luiz, muito mística e sestrosa, atendeu.
A mulher, logo foi falando:
-Quem canta nesta casa? Tem que ser sacrificado carrega um presságio amaldiçoado, que em breve se manifestará. Ele é fruto de encruzilhada!
Quando gurizão, lá onde morava não existia ‘ki-suco’, mas conhecia o refresco em outros lugares que havia ido. Uma delícia no verão! Coincidia com a nossa primeira geladeira em casa, uma “frigideire” pequena, branquinha. Tecnologia recém chegada.
Nós éramos quatro irmãos adolescentes morando sob o mesmo teto, inventávamos picolés de leite, batida de leite e banana, leite e ‘Toddy’, suco de butiá, tanto que alguns o resultado era péssimo.
No alto da minha magreza e no desenvolvimento físico sentia muita fome.
Na geladeira não tinha as gulodices que contém nas casas de igual padrão hoje, até mesmo porque a época não se iguala.
Eu devorava tudo: comia pimentão, verduras, chuchu e cenouras cruas, tomates com açúcar e vinagre com óleo. Minha mãe ficava ‘P’ da vida. Por bem ataquei as arvores, comia verdes as maçãs, bergamotas, araçás, pêra às vezes me causando um problemão estomacal.
Nosso dia começava muito cedo, “como formigas” tínhamos um longo itinerário a cumprir, uma missão de superar o tempo e pra isso comíamos ‘um boi’.
Em casa havia uma caixa de remédios da flora medicinal - vidro com extrato de ipê roxo, guaraná, catuaba, taninos, alcalóides, flavonóides, ácidos, bases e outros, todos da minha mãe.
Concluí que aqueles xaropes misturados num copo com água e gelo mais açúcar, o resultado era semelhante a refresco.
Passados alguns meses, eu adquiria uma força fantástica, resistência e sem dormir, como se tivesse um motor não parava nunca.
Em proporção me surgia pelo corpo todo, muitos pelos e cabelos. Cabelos e pelos tanto que seria demasiado para alguém de quatorze anos: nos braços, nas costas, no peito, no rosto em baixo dos olhos, nas orelhas. Parecia das cavernas.
Muita raiva, um ódio de mim começava a me transtornar, não me via como antes: a voz grossa fônica, espinhas vermelhas, estalos nos dedos, vibrava as pálpebras, chiado nos ouvidos, tremuras nos músculos das pernas quando parava.
Vestia roupas com mangas, ia e vinha olhando pro chão e fugindo das pessoas.
Conclusão. Parei no médico - de pronto ele diagnosticou:
-É hormonal.
Perguntou-me onde andava, o que fazia, comia, bebia, tomava, ingeria, blá-blá-blá.
Respondi todas as pergunta.
O médico me proibiu terminantemente de fazer ‘Ki-suco’ dos remédios da flora, pois estaria tomando medicamentos de pressão e do controle de menopausa da minha mãe!
Alberto Amaral Alfaro
natural de Rio Grande – RS, advogado, empresário, corretor de imóveis, radialista e blogueiro.