Quando eu tinha dezoito anos de idade, queria muito servir a pátria.
Lá onde morava não tinha quartel, as inscrições eram feitas numa “junta” ao lado da pedreira, ou seja, um lugar onde a prefeitura municipal quebrava granitos irregulares, os transformando em brita de diversos graus.
Quando fui pagar uma taxa na “Fazenda”, fui atendido por um senhor maduro que vestia terno e tinha um bigodão.
Fumando e me tratando como criança foi se apropriando do envelope que carregava.
Perguntava-me: de onde era, nome dos pais, endereço, escolaridade... Tudo desnecessário, pois as informações já estavam nos documentos a seu dispor.
De repente ele levantou-se e cobrindo com o corpo removeu de dentro do envelope 500,00 cruzeiro que me pertencia.
Vi e reclamei:
- Você pegou meu dinheiro do envelope, eu vi!
Ele disse que ali não havia nada, que fosse queixar-me “ao padre” Os outros funcionários começaram a se afastar, como se possuísse escudos invisíveis.
Suando frio, com raiva, esbravejei em voz alta:
- Quero meu dinheiro! O ameaçando.
Ele em voz baixa me mandou sair de fininho e esperar o chamado em casa.
Caminhei para o balcão e falei em voz quase aos gritos:
- Quem é o chefe aqui?
Todos os funcionários ali continuaram em suas escrivaninhas, sem me olhar em suas máquinas de datilografar, lendo não sei o que, pareciam não me ouvir.
Insisti. Um moço que seria um engenheiro da prefeitura disse:
-Eu aqui, sou autoridade. Quem pegou teu dinheiro? “Me mostra”.
Apontei ? mostrei - e fomos até a mesa do velho servidor.
-Onde esta o dinheiro do rapaz? Disse o engenheiro.
E o velho:
-Eu não vi dinheiro nenhum desse “cara”, vi no chão uma nota de 500,00.
Olhou para o piso como se procurasse e logo afirmou..
-É não esta aqui, alguém deve a ter encontrado!
O engenheiro colocou uma mão nas minhas costas, com educação pediu par ir embora, pois alguém teria achado meu dinheiro.
Todos ali ficaram imóveis, o bigodudo ainda sentado fumando, ria e tossia.
Eu saí rápido e envergonhado, antes que fosse detido por perturbação.
Esta semana tive uma surpresa um tanto preocupante.
Fui visitar um edifício do qual conheço a planta, pois participei da equipe de projeto e execução ao longo de três anos.
Percorri muitas vezes seus espaços em osso, prumadas, câmaras, cabines, chaminés; uns labirintos inacessíveis.
No inicio do estaqueamento, um senhor se candidatou ao serviço de ajudante e o prédio foi se erguendo, tempos depois ele assumiu outras funções.
Passou e fazer paredes, rebocos por fora nos jaus, tijolos de vidro e ao longo da noite ali residia e fazia guarda.
Pra bem dizer: sua casa!
A troca de operários constante, gesseiros, ceramistas, vidraceiros, funileiros, e instaladores... Tanta gente que os administradores perdiam o controle de quem era quem e quem conheciam melhor o ambiente.
Fim dos trabalhos assumem os pintores e lá estava o senhor que me refiro.
Depois rescisões, tão pouco alguém o procurou. O grupo se dispersou e a construtora fechou.
Aquela pessoa que eu conhecia bem, constatei que ainda mora no prédio, sem que ninguém saiba.
Na minha visita por se tratar duma investigação estrutural, fui a locais que acredito poucos saberem que exista.
Veja, entre o ultimo apartamento (décimo andar) e o salão de festas tem um vão de um metro de afastamento com dupla laje por motivo acústico.
Pois é!
Encontrei o sujeito ali, magro, "branquelo", afeitado, com vestes simples. Conversamos e ele me disse que durante a edificação pra li desviou um ponto de gás, luz, sinal de antena, água e esgoto sanitário.
No prédio tem passado os dias, aos feriados freqüenta a laje superior do reservatório, barrilete, e a noite caminha ao longo da escada enclausurada, se serve das dependências e utensílios do salão.
Pelo duto de ventilação ouve os usuários e seus planos, Quanto a alimentação se serve das sobras posta no container ou no hall.
Disse-me ter ido à Festa do Mar e conhecer o novo mercado, que vive confortável, tem radio e TV, sua casa é grande e na atualidade tem medo se sair e não mais voltar, a fenda de seu acesso atrás da baterias de botijões de gás está estreita para seu porte corpóreo e as edificações modernas nos entornos estão dificultando as opções para entrar.
Pediu-me aparelho de barbear, pilhas, colírio, inseticida e uns fones de ouvidos e ainda mais, sigilo!
- Eu?
Eu não sei o que faço!
Alberto Amaral Alfaro
natural de Rio Grande – RS, advogado, empresário, corretor de imóveis, radialista e blogueiro.