O Peregrino era meu, um barco de competição com cinco metros à vela, lindo e rápido como um avião. Nele por anos cruzei o Saco da Mangueira, cortando águas em todas as direções por ser um local raso de média um metro e pouco. Tinha leme e bolina* regulável, aprimorei manobras do tipo orça cerrada* e vento través empreendendo velocidade maior que o vento, tão bom quanto voar. Tive o privilégio de navegar "noutros mares", como o Canal do Porto. Fiz a volta nas Ilhas e outras aventuras "pra" mim definida como muito estressante. Aplicar toda a força do vento no leme, sem trégua ajustar amuras*, cambando* e definindo rotas; melhor seria ficar na praia olhando outros barcos ao longe.
Meu barquinho tinha um defeito quando a "popa rasa*", adernava (enterrava a proa) e ficava a deriva*, nisso perdia todas minhas tralhas e mais ainda a pose. Ah! Fiz feio na Festa dos Navegantes, perdendo o rumo na frente da procissão. Numa regata da Festa do Mar, fiz coisas que não devia, abalroando noutras embarcações....
Mas gostava mesmo era do meu "Saco da Mangueira" por que não têm corrente* e moro bem pertinho no Bairro Navegantes. É notório que defendo essa "enseada", onde aprendi a arte de velejar. Em 1980 quando em Rio Grande cheguei ainda às águas eram claras, tinha siri, linguado, tainha e muito camarão.
Vá lá agora, na margem "pra" ver! Têm trinta centímetros de lodo, decantado, e os bichos sei lá, se foram ou.... Sem vida, sem pescadores e água contaminada de dejeto humano.
Do barco; sempre tive medo da retranca*, quando se realiza uma manobra ela vem contra a cabeça do piloto. Meu filho provou das minhas aventuras. Quando com quinze anos de idade, antes que me pedisse o barco emprestado, vendi o Peregrino.
*Bolina (o mesmo que quilha) -Orça cerrada (Menor ângulo entre o rumo e a direção do vento) - Amuras (Cordas que mantêm a vela) -Cambar (mudar de rumo contra vento) -Rota (trajeto mais seguro) -Popa (parte de trás do barco) -Popa rasa (Vento que incide na popa) -Corrente (deslocamento das águas) -Deriva (fora de circulação) -Retranca (madeira que arma a vela).
Durante as ultimas semanas, enquanto o Oriente Médio e o norte da África se convulsionam em revoltas pró democracia, algo me parece muito interessante. Assisti, li e ouvi diversos artigos e entrevistas com intelectuais brasileiros e jornalistas dos mais variados meios de comunicação, e uma coisa me pareceu por demais estranha. Todos eles desmanchando-se em elogios as revoltas, pedindo democracia, e protestando colericamente contra os ditadores destas nações. No entanto havia um nome que sempre vinha a minha mente, mas que jamais fora citado. Aliás, foi citado apenas quando era impossível não cita-lo: Muammar Kadafi.
Como fora esquecido pelos nobres intelectuais brasileiros o ditador líbio a mais de 40 anos no poder? Mantendo a Líbia em um regime ditatorial que seria um misto de islã com socialismo.. Algo como um strogonoff de charque, duas coisas que não combinam amalgamadas em uma terceira “sem pé nem cabeça” que não funciona.
Após analisar esse fato repentinamente em um súbito insight descobri o porquê deste “esquecimento”, ou vista grossa na cara dura, de nossos intelectuais. A questão e bem simples: ditadura de esquerda pode.
É incrível o tipo de barbaridades que alguém que trocou sua consciência por um aparato ideológico pode sustentar. Ditaduras, massacres, torturas, encarceramentos ilegítimos são todos justificáveis em prol da “revolução” e do “bem comum”.
Depois de mandar bombardear civis indefesos e dizer que os manifestantes, que lutam por direitos civis e um estado democrático, são drogados e alucinados Kadafi diz que quer morrer na Líbia como mártir. Por mim pode ser desde que pare de assassinar seu povo.
Alguns desses intelectuais podem ter a desfaçatez e a cara de pau de dizer que os revoltosos são infiltrados a serviço dos “yankes imperialistas”, seja lá o que isso queira dizer. Sinceramente o que gostaria de ver seriam declarações do ex-presidente Luiz Inácio, amicíssimo de Kadafi, e de Marco Aurélio Garcia, outro defensor do ditador líbio. Mas sabem como é quando o barco a afunda os ratos sempre o abandonam.
Alberto Amaral Alfaro
natural de Rio Grande – RS, advogado, empresário, corretor de imóveis, radialista e blogueiro.